Os exames e sua importância

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  • Este texto não tem em hipótese alguma finalidade comercial e tampouco a ambição de fazer parte de qualquer tipo de trabalho acadêmico. Apenas trata-se de uma simples compilação de informações, disponíveis gratuitamente na internet e em publicações científicas, que busca disseminar e desmistificar conhecimento. Embora todos os sites pesquisados não tivessem indicação de Copyrigth ou Creative Commons no momento do acesso, todos estão devidamente citados ao final do texto, bem como as referências científicas.

A raça dobermann já foi considerada saudável, mas nos últimos anos tem sido identificada a intensificação de doenças sérias e que colocam a raça em perigo como: cancro (câncer), cardiomiopatia dilatada (DCM), síndrome de Wobbler, Doença de von Willebrand (vWd) e hepatite (inflamação do fígado). O aumento da incidência dessas doenças se deveu à diminuição da diversidade genética da raça. As tentativas anteriores de se controlar e reduzir tais doenças aparentemente não tiveram sucesso absoluto, talvez devido a essa falta de diversidade e ao fato de que, até recentemente, os criadores não tinham em mãos ferramentas com as quais pudessem trabalhar para obter ninhadas com menos mutações genéticas compartilhadas e níveis mais baixos de endogamia (coeficiente de endogamia) em comparação com os pais.

Com o passar do tempo, o pool genético do Dobermann continuou a diminuir devido ao uso desenfreado de grandes reprodutores (famosos campeões) e os efeitos acumulados ao longo dos anos da endogamia não controlada (incluindo o linebreeding). Esse conjunto de fatores levaram os Dobermanns modernos a serem geneticamente muito semelhantes entre si, independente do continente que estejam, e resultando em uma concentração ainda maior das mutações genéticas que ameaçam a raça.

Os médicos veterinários há muito tempo ficam de mãos atadas quando examinam um Dobermann afetado por determinada doença genética, pois muitas vezes não há tratamento eficaz ou mesmo cura para se buscar. Do mesmo modo proprietários sofrem, presenciando cada vez mais seus amigos morrerem de forma prematura ou repentinamente sem explicação. Por outro lado, criadores lutam há anos para tentar conter as doenças genéticas que assolam a raça em idades cada vez mais precoces, tirando da criação animais com sinais de doenças. Tal ação dos criadores, apesar de ter boas intenções, colabora com a diminuição do pool genético na medida que não se tem certeza de que o animal retirado de reprodução está realmente doente e se o sinal apresentado está realmente relacionado a possíveis doenças genéticas. Diante desses percalços, o cão idealizado por Karl Friedrich Louis Dobermann enfrenta um futuro desafiador, apesar de ser uma raça relativamente nova.

Tipo de exames disponíveis e respectivos custos 

Felizmente, mesmo diante da infinidade de problemas e incertezas em relação a saúde da raça, temos alguns grupos de exames que são importantes para identificar possíveis doenças e evitar a proliferação desenfreada das mesmas. Assim, recomenda-se a todo criador responsável ter em mente realizá-los no seu plantel de forma a contribuir para a continuidade saudável da raça. 

Os principais grupos são: 

  • Exame de sangue para avaliar a tireóide;
  • Exames auxiliares anuais para avaliar o coração, tais sejam ecocardiograma e holter 24 hrs;  
  • Exames para avaliação da incidência de displasia em bacia e cotovelos; 
  • Exames de DNA para identificar a predisposição dos cães para desenvolvimento de determinadas doenças, relacionados adiante. 

Os exames de sangue para avaliar a tireóide, bem como os exames auxiliares para avaliação do coração estão ao nosso alcance aqui no Brasil. 

Os exames para emissão de laudo de displasia (bacia e cotovelos) podem ser realizados também aqui no Brasil e sugere-se que os mesmos sejam emitidos por veterinários membros do Colégio Brasileiro de Radiologia. Caso seja do interesse do criador também, para dar maior credibilidade aos referidos exames, as imagens podem ser enviadas ao IDC (International Dobermann Club) na Alemanha para emissão de laudo com a chancela daquela instituição. Para tanto, o veterinário aqui no Brasil deve possuir uma conta no site myvetsxl.com e buscar maiores informações acerca de valores e demais procedimentos no site do IDC, através do link: https://dobermann.de/wp-content/uploads/HD-Instructions-Evaluations.pdf

As imagens podem ser enviadas também para o OFA (Orthopedic Foundation for Animals) nos Estados Unidos, organização sem fins lucrativos que tem como missão “melhorar a saúde e o bem-estar dos animais de companhia através da redução da incidência de doenças genéticas”. O OFA, inicialmente constituído para realizar avaliação radiográfica, gerenciamento de dados e aconselhamento genético para displasia de anca canina, se preocupa também com outras doenças hereditárias e outros animais de companhia, como gatos. Basicamente trata-se de um banco de dados e repositório de DNA, ambos centralizados, com o objetivo de auxiliar criadores a fazer escolhas de criação e cientistas em pesquisas relacionadas ao tema. Alguns exames de DNA também podem ser solicitados através do OFA, que faz os exames através da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade do Missouri e tem um custo unitário (por exame) de USD 65. Salientamos que dentre os exames de DNA para as principais doenças da raça dobermann, poucos podem ser feitos através do OFA. Maiores informações no site www.ofa.org. De maneira geral os laudos do CBR e da OFA são mais rígidos do que os laudos do IDC, na opinião da professora de medicina veterinária e amiga Maria Ignez Carvalho Ferreira que já teve a oportunidade de comparar todos.  

Ainda em relação aos exames de DNA, apenas alguns são ofertados hoje (2019) no Brasil, como exemplo o exame de comprovação de parentesco e identidade genética (realizado pela LinkGen, EasyDNA, CEPAV e etc), os exames para cariotipagem e coloração de pelagem (realizados pela Genera) e o exame MDR1 – sensibilidade à determinadas drogas (realizado pelo LAFA da UFRGS). Porém cabe destacar que os mais importantes para a raça Dobermann ainda não são ofertados aqui no Brasil. Tais exames são ofertados em sua maioria nos Estados Unidos por laboratórios particulares e também por algumas Universidades, no caso dos exames para DCM1 e DCM2

Os principais exames a serem testados através de DNA são:

  • vWD1 – doença de von Willebrand;
  • PDK4/DCM1 – associado à DCM (Cardiomiopatia Dilatada);
  • DM – Mielopatia Degenerativa (doença da coluna espinhal);
  • GPT  subnotificação da enzima ALT (não indica dano hepático, mas faz com que os níveis de ALT sub-reportem, potencialmente mostrando níveis normais de ALT em cães com lesão hepática);
  • MDR1 – sensibilidade genética as certas drogas (cancer, worming, etc.);
  • D Locus (color genetics) – Diluição para cores azul e fulvo;
  • B Locus – Identificação para cor preto (dominante) e marrom (recessivo);
  • Genetic COI – Grau de cosanguinidade;
  • DLA Diversity – identificação de DLA Haplótipo materno ou paterno.
  • DCM 2 - associado à DCM (Cardiomiopatia Dilatada);
  • DINGS – surdez congênita combinada com disfunção vestibular
  • Oculocutaneous Albinism Type 2 - OCA2 - Fator de albinismo 

Abaixo são relacionados alguns  laboratórios, todos americanos, que oferecem os exames acima:

  • Vetnostic – oferece os exames: DM, DCM1, vWD, B Locus e D Locus. O custo total destes exames é de US 275 para cada cão.   http://www.vetnostic.com/veterinary-genetic-test.html
  • Vetgen – oferece os exames: DCM1, DCM2, DM, D Locus, B Locus e vWD. O custo total destes exames é de US 440 para cada cão.  https://www.vetgen.com/canine.html
  • Animal Genetics – oferece os exames: DCM1, vWD, DM, MDR1, D Locus e B Locus. O custo total destes exames é de USD 275.  https://www.animalgenetics.us/Canine/Cost_Dollar.asp
  • Embark – oferece os exames DCM1, vWD, DM, MDR1, D Locus, B Locus, GPT, Genetic COI, DLA e Pureza da Raça. O custo total desses exames é de USD 199. https://embarkvet.com/
  • Doberman Diversity Project – oferece os exames da Embark DCM1, vWD, DM, MDR1, D Locus, B Locus, GPT, Genetic COI e DLA a um preço reduzido para os criadores que concordam em compartilhar os dados genômicos e de saúde de seus cães para fins de pesquisa. O custo total desses exames é de USD 135.  https://www.dobermandiversityproject.org/
  • Universidade Estadual da Carolina do Norte – Oferece os exames DCM1 e DCM2. O custo total desses dois exames juntos é de USD 70. Os exames em separado custam respectivamente USD 51 https://cvm.ncsu.edu/wp-content/uploads/2017/08/Doberman-DCM1-and-DCM2-Submission-Form.pdf
Observando os valores e comparando entre os diversos laboratórios fica claro que utilizar os exames sem fins lucrativos do Doberman Diversity Project + o exame de DCM2 da Universidade Estadual da Carolina do Norte é mais vantajoso que utilizar os exames dos demais laboratórios, sob a ótica do número de exames incluídos em contrapartida ao valor pago. Os mesmos exames oferecidos pelo Doberman Project Diversity se forem realizados diretamente através da Embark, por meio do pacote criador, terão um custo de 179 USD por kit (1 kit = 1 cão). Caso seja solicitado entre 2 e 4 kits nesse pacote, o valor individual será de USD 169 e entre 5 e 9 kits o valor cai para US 159. Note-se que o pacote criador da Embark, a exemplo dos exames do Doberman Diversity Project, não inclui o exame de investigação de pureza da raça que faz parte do pacote principal da Embark. Importante salientar que o Doberman Diversity Project utiliza a estrutura da Embark e o custo dos exames é menor em virtude das amostras passarem a fazer parte de estudos científicos, pois a Embark trabalha em parceria com a Universidade Cornell. Desta forma, ao realizarmos exames através do Doberman Diversity Project estamos colaborando com estudos que visam em última análise entender a relação entre a genômica do Dobermann e a sua saúde e longevidade.

Os exames realizados tanto através da Embark, como através do Doberman Diversity Project, tem seus resultados disponibilizados em uma base de dados no portal da Embark, em uma área restrita apenas aos demais clientes e participantes do Projeto que possuem login e senha na base de dados. Caso seja do interesse do proprietário do cão a confidencialidade do nome do animal, ele pode revisar suas “configurações” no portal da Embark para atender às suas preferências. Esse controle permite que um proprietário garanta que seus cães não sejam identificados no portal pelo público que tem acesso a ele, ao liberar o resultado dos exames dos cães. Salienta-se que os cientistas sempre saberão quais cães foram testados e seus respectivos resultados. Também poderão usar tais informações em seus estudos, inclusive eventualmente em publicações científicas.

É importante saber que existe outro trabalho acadêmico, realizado na Europa e liderado pelo Dr. Tosso Leeb, o qual este concluiu preliminarmente que não encontrou uma associação entre a mutação do gene PDK4 e o DCM no conjunto de Doberman Europeus estudados (também foi estudada a correlação em outras raças). O estudo europeu diz basicamente que eles não foram capazes de replicar as descobertas americanas da associação entre mutação no gene PDK4 com o DCM. Enquanto o estudo americano usou principalmente cães americanos, este estudo pesquisou cães em sua maioria europeus, sem encontrar correlação significante. Nota-se que não encontrar uma correlação não significa necessariamente que não haja uma! Ademais, observa-se que o público de animais avaliados no estudo europeu é muito inferior ao estudo americano. Deve-se também tomar cuidado com o que se depreende de estudos acadêmicos, pois uma correlação/associação não equivale diretamente a uma causa. Correlação e associação servem para nos apontar o caminho a seguir ou se há um elo. Um trecho do estudo diz: “O alelo de deleção foi um pouco mais frequente nos casos de DCM do que nos controles, mas a diferença não foi significativa em nenhuma de nossas amostras”. Então sabe-se que o estudo encontrou mais mutações PDK4 nos cães estudados que tinham DCM, mas a diferença não era suficiente para eles acharem significativa. O que não se sabe é o que seria encontrado se o estudo europeu abrangesse uma amostra consideravelmente maior, a exemplo do estudo americano. Observe-se que todos os dados genômicos e de saúde mantidos pelo Doberman Diversity Project estão disponíveis para os pesquisadores sem nenhum custo. Como tal, no futuro, esses estudos podem ser baseados em um grupo muito mais amplo de Dobermanns (hoje já são mais de 1.000 Dobermanns de 34 países).

Diante de tudo isso, precisamos ter em mente que os exames de DNA não são definitivos, no caso do DCM. Eles são auxiliares, assim como os exames anuais ecocardiograma e holter 24 hrs, e devem ser encarados como poderosas ferramentas auxiliares no planejamento da criação.